São Manuel Bueno, Mártir
O santo que não acreditava em Deus
Estreado em São Paulo no dia 17 de janeiro de 2013, o espetáculo “SÃO MANUEL BUENO, MÁRTIR”, conta a vida do personagem Dom Manuel, um padre que carrega, como um estigma, a dúvida de sua própria fé e da própria existência de Deus.
A peça é fruto do Projeto SOBREVENTO 25 ANOS: OBJETOS E IDENTIDADE, patrocinado pela Petrobras por meio da Lei de Incentivo à Cultura e desenvolvido desde meados de 2011. O Projeto viabilizou a manutenção da sede do Grupo, a apresentação do seu repertório, um Festival internacional, um Festival nacional e a criação deste espetáculo, além de sua temporada em São Paulo e sua circulação pelo país.
Primeira encenação do melhor romance de Unamuno, o texto foi escrito em 1930 pelo poeta, filósofo e escritor Miguel de Unamuno (1864-1936), reconhecido, não só pela qualidade de sua obra, mas também pelos sucessivos ataques à monarquia da Espanha. Nunca antes encenado, “São Manuel Bueno, Mártir” transformou-se em uma peça, dirigida ao público adulto, que conta a história de Dom Manuel (vivido por Maurício Santana), um padre que duvidava da vida após a morte e da própria existência de Deus. Através da narrativa confessional e em primeira pessoa de Ângela (Sandra Vargas), o texto embrenha-nos no drama íntimo do pároco, que está prestes a ser beatificado. Lázaro (Luiz Cherubini), irmão de Ângela, acaba de voltar dos EUA para a pequena cidade onde nasceu e tenta convencer Ângela a ir embora daquele lugar onde, segundo o personagem, “as mulheres mandam nos homens e os padres mandam nas mulheres”. Mas ela se recusa, convencida de que há questões a serem resolvidas por lá. A trama gira em torno do relacionamento desses três personagens: Ângela ganha profunda admiração e gratidão por Dom Manuel, que se transforma, de um mártir, em uma espécie de santo, apesar – ou justamente por causa – de sua dúvida e falta de fé.
Polêmico, Miguel de Unamuno (Bilbao, 1864 – Salamanca, 1936) foi filósofo, ensaísta, dramaturgo, romancista e poeta: sua obra literária gira em torno de três temas dominantes: o homem, a imortalidade e a Espanha. Paradoxal e contraditória, sua visão particular do mundo e a defesa apaixonada das suas ideias transformaram-no no centro de todas as polêmicas políticas e religiosas de seu tempo. Entre suas obras, destacam-se A Tia Tula, A Vida de Dom Quixote e Sancho e Niebla. Era praticamente uma versão real do próprio Dom Manuel: era um cético, mas tinha muita fé; criticava a Igreja e a fé cega, mas defendia que não poderíamos ser totalmente descrentes. “Chegamos a um espetáculo muito simples e muito delicado. Não queremos, nele, fazer uma demonstração de virtuosismo; não queremos impressionar, surpreender; não queremos falar da força, da vitalidade, da modernidade do Teatro de Animação; mas expor as nossas dúvidas, as nossas angústias, as nossas questões, a nossa fragilidade. A dúvida - que é o cerne deste espetáculo e do próprio texto que lhe deu origem – é, para nós, a melhor contribuição que o Teatro de Animação pode dar ao Teatro e que nós, artistas, podemos oferecer ao público”, explica Luiz André Cherubini, ator e diretor do espetáculo.
A montagem realizada pelo Sobrevento é pouco ortodoxa. Acontece em uma arena ocupada por uma mesa redonda, que representa o mundo. No centro dela, bonecos de madeira estáticos, fixos, sem qualquer articulação, confeccionados pelo escultor Mandy. São pelo menos 30 bonecos que representam os personagens da trama e o povo da pequena cidade onde se desenrola a história. Os três atores-manipuladores, representando os personagens Dom Manuel, Angela e Lázaro, movimentam estes bonecos como se fossem peças de xadrez ou figuras de um presépio. A trilha sonora do espetáculo, realizada ao vivo, foi criada especialmente pelo pernambucano Henrique Annes, um dos fundadores do Movimento Armorial, virtuoso do violão recifense e que comemora os seus 50 anos de carreira. A música de Annes, que transita entre o erudito e o popular, é executada por três músicos, ao violão, violoncelo e bandolim. “Ao longo do espetáculo, as figuras (bonecos) vão perdendo a sua forma, se decompondo, ficando cada vez mais distantes do figurativismo original, como em um livro, molhado pela água. O jogo de movimentação das figuras lembra um jogo de criança ou às vezes uma maquete, mas não há uma manipulação propriamente dita ou uma técnica de animação”, diz a atriz Sandra Vargas. Os espectadores presenciam um jogo, invadem a intimidade da cena e formam uma espécie de assembléia. O espaço cênico é uma espécie de poço escuro e o tampo da mesa é o própio palco do espetáculo.
Esta é a 19ª montagem do Grupo Sobrevento, com 26 anos de carreira e considerado um dos maiores expoentes brasileiros do Teatro de Animação. O espetáculo conta, ainda, com a delicada iluminação de Renato Machado, uma instalação cênica de abertura (que leva o nome de Povo Frágil) do renomado artista plástico italiano Antonio Catalano, ambientação e orientação cenográfica de Telumi Hellen, figurino de João Pimenta, preparação cenotécnica e mecanismos de Agnaldo Souza e encenação de Luiz André Cherubini, que atua no espetáculo ao lado de Maurício Santana e Sandra Vargas.
O SOBREVENTO é um Grupo de Teatro profissional, formado em 1986, que busca apresentar, experimentar, desenvolver, inovar, aperfeiçoar, difundir, multiplicar, valorizar, fortalecer, ensinar, aprender e estudar o Teatro de Animação. É reconhecido, nacional e internacionalmente, como um dos maiores especialistas brasileiros da área. O Grupo tem, hoje, dez espetáculos em repertório – destinados a diferentes públicos e espaços – com os quais ganhou alguns dos Prêmios mais importantes do país. Em suas andanças, viajou por todo o Brasil, do Acre ao Rio Grande do Sul, e apresentou-se em mais de uma centena de cidades não só do Brasil, mas também da Espanha, Irlanda, Escócia, Argentina, Chile, Colômbia, Angola, Suécia, Estônia, México e Irã.
O Teatro de Animação moderno é uma ampliação dos limites que o senso-comum estabeleceu, preconceituosa e equivocadamente, para o Teatro de Bonecos. Espalhado por todas as épocas e por todos os lugares do mundo, o Teatro de Animação funde linguagens cênicas, mistura modernidade e tradição, mistura erudição e popularidade, tem como palco qualquer espaço e tem como alvo públicos de todas as idades e grupos sociais, um de cada vez ou todos de uma só vez. Em São Paulo, no entanto, vemos poucos espetáculos que exploram a linguagem do Teatro de Animação para adultos, por sua inviabilidade econômica, o que, muitas vezes, não acontece quando o Teatro de Animação se dirige ao público infantil. O SOBREVENTO é um dos poucos Grupos de Teatro de Animação do Brasil que se têm dedicado ao público adulto e, sempre, com grande profundidade e êxito. O Grupo tem lutado por difundir a ideia de que o Teatro de Bonecos deve ser antes Teatro e depois de Bonecos e que toda técnica deve estar a serviço daquilo que se quer dizer. Dominando um grande número de técnicas de animação, o Grupo montou, entre outros, os espetáculos SUBMUNDO, UBU!, O THEATRO DE BRINQUEDO, BECKETT, O CABARÉ DOS QUASE-VIVOS, QUASE NADA e ORLANDO FURIOSO, apresentados em quase todos os estados do Brasil e em países de quatro continentes.