Noite - Fotos

Criado a partir de depoimentos da vizinhança do Grupo Sobrevento, espetáculo Noite tece um mosaico de memórias

 

Indicado ao Shell de 2018 na categoria Inovação pela pesquisa em Teatro de Objetos, o Grupo Sobrevento estreia espetáculo que entrelaça histórias contadas por moradores do Brás e do Belenzinho, onde está sediado há dez anos

   

No palco, um mosaico cênico com histórias, memórias, como se fossem caixinhas de lembranças. Por meio de dispositivos – a princípio simples – como escutar histórias na feira, observar um velário, conversar com pessoas e ir a uma igreja, o Grupo Sobrevento recolheu diversos depoimentos para criar seu mais novo espetáculo, Noite, que estreia em 1º de fevereiro de 2019 no Espaço Sobrevento (R. Coronel Albino Bairão, 42, Metrô Bresser-Mooca), às 20h30, com entrada franca. O projeto foi contemplado pera 31ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo e tem entrada gratuita.

Criado a partir do Teatro de Objetos – linguagem que o grupo pesquisa profundamente desde 2010 – o espetáculo tem uma dramaturgia que nasceu dos depoimentos de seus vizinhos e das suas histórias, todas relacionadas a objetos guardados, secretos, carregados de afetos, ou ainda do sentimento pela ausência/perda deles.

 

Sandra Vargas, que divide a direção da peça com Luiz André Cherubini, conta que Noite foi concebido a partir da prática da escuta dos moradores locais e não de um tema pré-determinado pelo grupo. Entender como a população lida com as próprias memórias e quais histórias elegem para contar ao outro foi determinante para que a dramaturgia, criada em conjunto pela companhia, tomasse forma.

 

Em cena, um homem cego interpretado por Luiz André Cherubini conversa com um menino e sua fala é atravessada por suas memórias. O cenário composto por 11 nichos de tamanhos variados, sobrepostos, torna possível contemplar na cena todas as personagens que compõem a memória desse homem. A princípio, a luz ilumina cada figura por vez, dando vida a uma determinada memória, mas como num processo típico do pensamento humano, há momentos em que as memórias se misturam, se interrompem ou aparecem de forma fragmentada. Cada ator representa a potência máxima dessa memória, carregando em seu nicho elementos visuais que remetem ao pensamento do homem cego.

 

“As pessoas pensam que a vida é um longo caminho para frente, mas ela não é mais do que um passeio pela vizinhança”, diz o protagonista em determinado momento da peça. Durante o processo de criação, depoimentos pessoais de vizinhos, histórias do bairro e dos arredores do Sobrevento reuniram-se para contar as lembranças de alguém que “já não vendo mais a luz que há, se apega a luz que havia”. Na narrativa se misturam memórias de esperança e alegria, fantasmas que perseguem na escuridão e evocam o medo da morte, da dor das perdas, da fragilidade humana e das saudades.

O desafio do grupo foi amarrar as histórias colhidas e ressaltar na cena como determinado objeto conduz a narrativa. Um vestido, uma vela, uma tesoura e pratos de cozinha são alguns dos objetos que disparam as memórias. “Foi importante preservar a simplicidade com que cada pessoa nos contou sua história”, destaca Sandra. A artista ressalta que os assuntos mais recorrentes durante as conversas eram os relacionados com terra, morte e jardim.

 

Os três itens foram trazidos à cena em metáforas construídas de diferentes formas, como por meio de nichos cobertos por flores e tecidos coloridos, e no próprio texto, como se vê no depoimento de uma imigrante que chegou ao Brasil tendo como lembrança de seu país de origem apenas uma colcha que recebeu de presente e uma pedrinha.

 

“A terra estava associada às memórias dos moradores do Brás e do Belenzinho em diversos sentidos. Aqui há um número grande de população indígena peruana e boliviana que fala muito sobre a terra sagrada, que dá presentes, alimento e que é onde essas pessoas deixaram suas raízes”, conta Sandra. “Os depoimentos eram autênticos e simples, tornando-se eles mesmos as metáforas que criamos para o teatro”.

 

Os figurinos assinados pelo estilista e figurinista João Pimenta, remetem a temas religiosos. Coroas de flores, túnicas, vestidos brancos, asas e penas compõem a vestimenta das personagens. O Grupo Sobrevento está indicado ao Prêmio Shell de Teatro de 2018, na Categoria Inovação, pela sua pesquisa no Teatro de Animação e de Objetos.

SINOPSE
Noite é uma coleção de histórias rememoradas por um cego, na escuridão onde vive. Para compor o espetáculo, o Sobrevento conversou com dezenas de vizinhos acerca dos objetos que guardam em casa e de que nunca se desfariam. Surpresas, como descobrir objetos completamente insuspeitos, histórias inesperadas, objetos inexistentes e que continuam guardados na memória, objetos que o grupo jamais consideraria objetos, garantem a inovação e renovação do grupo em um processo de criação teatral baseado na pesquisa e fundamentado na descoberta.

SOBREVENTO
Fundado no Rio de Janeiro em 1986, o Grupo Sobrevento transferiu-se do Rio de Janeiro para São Paulo há mais de vinte anos, em função da quantidade de atividades que a cidade lhe requeria. Fundou, em 2009, o Espaço Sobrevento, única sala da cidade de São Paulo dedicada especialmente ao Teatro de Animação. O Sobrevento é, hoje, um dos grupos teatrais mais destacados e atuantes do país. Desde sua fundação, em 1986, realizou mais de 6 mil apresentações – “Que é como se tivéssemos subido ao palco mais do que dia sim, dia não, por 32 anos”, diz o diretor Luiz André Cherubini –, visitou em torno de 200 cidades do Brasil, outras 40 da Espanha e esteve em diversos países de quatro continentes, representando o Brasil em lugares tão distantes quanto Irã e Estônia e outros tão próximos quanto Argentina, Chile e Colômbia.

 

“Criamos mais de 20 espetáculos e mantemos 16 em repertório. Temos realizado muitos festivais internacionais de Teatro de Bonecos e de Animação, buscando multiplicar e desenvolver o Teatro de Animação, o Teatro de Objetos, o Teatro para a Infância e a Juventude, o Teatro para Bebês, bem como diferentes expressões teatrais contemporâneas”, afirma Sandra Vargas, atriz e fundadora do Sobrevento, e também curadora do FITO – Festival Internacional de Teatro de Objetos, criado em 2009. Ainda em 2019, o Sobrevento estreia seu novo espetáculo para crianças, em São Paulo, e realiza turnê de um mês pela China.